quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Não dá para se esconder da mira dos que sempre apontam para o mesmo lugar.


O sangue nas manchetes é incolor, mas a gente bem sabe a cor que tem. As balas, que dizem perdidas, encontram sempre o mesmo alvo, a mesma cena, o mesmo enquadre. Nos punhos cerrados, no olhar atento, nos sorrisos desconfiados, a gente se reconhece de longe. Vocês nem de perto nos enxergam. A vida passa numa fileira de pó, não no cheirado, mas no vendido. Em um helicóptero passando por cima de uma casa, de uma escola, de uma vila. No condomínio ele para, na favela ele para uma vida. Não dá para se esconder da mira dos que sempre apontam para o mesmo lugar. Viver tem um preço gigante, morrer virou uma piada sem graça, uma que nos foi contada diversas vezes. Nossos olhos fecham cedo demais, nossos corpos sangram demais, nossas vidas valem menos. As grades que nos separam, entre seus muros e nossos presídios, são revestidas de silêncio. Vocês disseram que queriam nos ouvir, mas apagaram a nossa história. As carteiras das escolas contém o vazio daquilo que não se diz e ninguém conta. Vocês respondem presente, nós estamos presentes quando alguém, em ato de protesto, branda o nosso nome. Nossa história pede mais que uma matéria no jornal. Nossas vozes falham, nossa garganta aperta, mas continuamos. Continuamos apesar da sua troca de calçada, do chicote no supermercado, da confusão policial. Seguimos reconstruindo a história, ocupando lugares, existindo em universidades, mas dessa vez nas aulas ao invés do portão. Os nomes dos que não puderam estar seguem no grito daqueles que continuam vivos. Talvez o maior medo de vocês seja ver a gente recebendo a beca no lugar da pena.