quinta-feira, 26 de maio de 2016

Trinta, não esqueça esse número. "Trigger Warning"

Uma menina foi estuprada por trinta homens essa semana, sim, você não leu errado, foram trinta homens. Trinta “pais de família”, trinta “filhos ótimos”, trinta “amigos leais”, trinta “jovens promissores”, trinta “pessoas de bem”. Trinta. Esse é um numero que eu vou repetir bastante, esse é um numero que eu não quero que você esqueça.Trinta. A mídia não comentou sobre o caso, a mídia não falou sobre os rapazes, não falou sobre o absurdo do crime que eles, em plena consciência do que faziam, cometeram. A mídia não falou sobre uma menina de dezessete anos que sangrou deitada contra um chão frio, a mídia não falou sobre os trinta homens que estavam por cima dela, a mídia se calou. A mídia fez o que faz de melhor, reforçou a mordaça que é colocada na boca das mulheres todos os dias. Nas redes sociais é possível ler a grande quantidade de mensagens de homens que, segundo eles, sentiram-se “ofendidos”, sim esse foi um termo bastante usado nos comentários sobre o crime. “Não somos todos iguais”, “é um absurdo generalizar”, “me senti ofendido com esta publicação”, “vocês não sabem do que estão falando”, “aposto que ela pegava esses caras”. Todos esses comentários também foram feitos por “bons pais”, “bons maridos”, “bons amigos”. Todos esses comentários foram feito por homens que não se importaram com garota de dezessete anos, mas sim com a “generalização dos homens”, mesmo que o crime tenha sido cometido por trinta deles. Mais uma vez, trinta. Eu não quero que você esqueça, porque aquela garota com certeza não vai esquecer. Trinta. Esses “homens de bem” reclamaram da “generalização” em um país onde uma mulher é estuprada a cada onze minutos, um país onde uma menina foi estuprada por trinta homens que, tendo certeza da impunidade sobre seus crimes, divulgaram o vídeo na internet. Trinta homens riram daquela menina. Quando paramos para pensar nos outros homens que riram, compartilharam ou se excitaram com o vídeo, o numero cresce para quarenta, cinquenta, cem, duzentos. Mas as mulheres deveriam estar preocupadas com a “generalização” não é mesmo? Trinta. Nenhum deles tentou parar o crime, nenhum deles se importou com a vítima, nenhum deles vai sofrer como ela sofreu, nenhum, e foram trinta. Não tenho nenhuma frase para terminar este texto, nenhuma esperança de que isso não vá ocorrer novamente, nenhuma palavra para tentar aliviar um texto tão pesado, um crime tão nojento, uma realidade tão surreal. O numero trinta vai ficar piscando na minha cabeça, aposto que vai ficar piscando na de muitas outras mulheres quando elas estiverem andado na rua, voltando do trabalho, passando por um lugar isolado, terminando com algum namorado. Trinta. Talvez trinta seja o número de vezes que eu, assim como muitas outras mulheres, choramos hoje o reler a notícia, ao perceber o descaso da mídia, ao saber que alguns homens preferem comentar que estão “ofendidos” ao invés de envergonhados, tristes, abismados, tocados. Esse texto termina com essa palavra, esse numero, “trinta”, porque eu não vou esquecer, aposto que nenhuma mulher vai. Trinta.

L. Santos.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Existem mais pessoas que lugares no trem, muito mais pessoas que lugares.

A gente cresce, aprende a fazer as malas, vai, pela primeira vez, sozinho até a estação de trem e espera. Os sapatos lustrados, as mãos suadas, o sorriso no rosto e a expectativa da vida. Mas, logo cedo, os sapatos ficam empoeirados, as mãos começam a tremer ao invés de suar, o sorriso cansa, a postura endurece e então a gente percebe, cedo ou tarde, que o trem nunca chega na hora, às vezes, o trem nem chega. E agora a grande duvida, o quê fazer com a mala cheia de sonhos que eu carrego? O que fazer com as expectativas que eu trouxe comigo para a estação? O que eu faço se o trem não chegar? Essas são excelentes perguntas, mas eu, infelizmente, não sei as respostas. A gente cresce esperando tanta coisa, esperando comprar tudo o que quiser quando receber o primeiro salário, esperando conseguir comprar uma casa depois dos vinte, entrar na faculdade “certa” e conseguir se formar sem grandes problemas. A gente espera conhecer pessoas novas, ter um relacionamento, ou vários deles, ser feliz. Mas ai a gente cresce e começam os simplórios “tapas na cara”, a gente percebe que o primeiro salário mal paga as contas e sim, você aparentemente começa a ter contas para pagar, diversas contas. Você percebe que seu dinheiro talvez não dure até o fim do mês e assim, você começa a esperar que a semana acabe logo, o mês acabe logo, os dias acabem logo. Você começa, mesmo sem perceber, a esperar o fim sempre com a expectativa de um começo que dura pouco. Seus amigos seguem caminhos diferentes dos seus, seus pensamentos mudam, evoluem e você percebe que eles não coincidem mais com os das pessoas ao seu redor, você se fecha, se sente sozinho. Você percebe que vai ter que morar com seus pais até depois dos vinte, talvez até os trinta ou mais, percebe que o mercado imobiliário é uma grande selva e que a vida não é tão fácil como nos filmes que você tanto vê. Você liga a TV e assiste pessoas que tem a sua idade e já são milionárias, até bilionárias, e não consegue entender o porque de não ter nada de especial em você. Você começa a se questionar se realmente vai conseguir, mas conseguir o quê? Você não sabe. É tudo muito nebuloso, sem garantias e assustador. Você começa a se arrepender por ter pedido tanto para crescer tão depressa. Você fica frustrado, triste e cheio de duvidas. Na estação, outras pessoas, que também perderam seus trens, esbarram em você e acabam tê empurrando em algumas direções. Você percebe que elas tentam seguir o mesmo caminho que seus pais seguiram, mas você não quer seguir esse caminho, mesmo que esteja sendo empurrado para ele. Você começa a discordar da política atual, logo você que odiava política. Você percebe que o mundo anda todo errado e que existem mais pessoas que lugares no trem, muito mais pessoas que lugares. Você começa a odiar o trem e a lutar por mais lugares, você se junta a um pequena parte daquelas pessoas que também se importam em lutar por mais lugares no trem, mesmo que esses lugares não sejam para elas, nem para você. Você tenta suavizar o sorriso e conter as lágrimas quando o motorista anuncia uma pequena vaga em um dos bancos de trás do pequeno trem, você não ocupa a vaga, ela não é para você, você lutou por ela por anos, e agora, conseguiu que alguém, tão igual a você quando chegou na estação pela primeira vez, embarcasse no trem, você fica feliz. Talvez você esteja finalmente aprendendo o que é felicidade. Você encontra seu lugar no mundo, mesmo achando que o mundo não tem lugar para você. Você luta por mais lugares e sorri quando outras pessoas se juntam a você. Você percebe que o mundo talvez não possa mudar, mas que pequenas coisas podem ajudá-lo a melhorar. Você se importa menos com o lugar para onde vai e mais com quem você quer ser quando chegar lá. Você está feliz com isso. Você se torna você, mesmo que você seja apenas mais um. A grande maioria das pessoas é "apenas mais um". Você percebe que o mundo raramente segue seus planos e, com o tempo, você aprende a viver sem esperar tanto pelo trem que nunca chega. Talvez algum dia existam trens para todo mundo, por agora, você conseguiu lutar por alguns lugares e está feliz com isso. O mundo pode não mudar, mas está melhor por sua causa e alguém, algum dia, vai conseguir um lugar no trem e vai sorrir. Você entendeu o que é felicidade e você, finalmente, está bem com isso.