sábado, 3 de outubro de 2015

Eu fui estuprada hoje...


Eu fui estuprada hoje, quando uma mãe disse para o seu filho que “menino é assim”. Eu fui estuprada hoje, quando um pai ensinou o seu filho a assobiar e gritar “elogios” quando uma mulher passasse na rua. Eu fui estuprada ontem, quando ouvi um homem dizer que não tinha culpa porque a minha saia era muito curta. Eu fui estuprada ontem, quando um tio disse a um sobrinho que toda mulher que bebe demais “está pedindo”. Eu fui estuprada ontem, quando saiu na revista que mulher quando diz “não” está fazendo charme. Eu fui estuprada hoje, quando saiu na novela que um homem poderia insistir quando eu dissesse não. Eu fui estuprada, eu perdi a minha alma e o meu chão. Eu fui estuprada pelos pais que ensinam que “meninos são meninos”, fui estuprada pela mídia que induz, pela gente que reproduz. Eu fui estuprada por um monte de gente. Não saiu sangue, embora tivesse doido. Não foi literal, embora pudesse ter sido. Eu não fui estuprada hoje, mas outra mulher com certeza foi. E agora? A gente chora...

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

— Hoje eu lembrei de você e sorri, algumas lágrimas vieram me fazer companhia, foi inevitável.

Queria ter dito alguma coisa que a impedisse de cometer suicídio naquela tarde chuvosa de quarta feira. Queria ter tido mais tempo para lembra-la das coisas incríveis das quais ela fez parte. Queria que ela tivesse terminado aquele livro que eu indiquei, aquela série que assistíamos juntas. Mas não consegui. Ninguém conseguiu. Porque por mais que tenha tentado, a vida foi mais forte do que eu, foi mais forte do que ela.  Não a culpo, ela tinha aqueles olhos brilhosos de quem carrega a alma por dentro da íris, aquela habilidade assustadora de devorar livros que te fazem pensar na existência simbólica do ser. Ela tinha peso de luz, e só quem sabe o quanto ser luz pode pesar, entende do que estou falando. Engana-se que pensa que ela não sorria, porque ela sorria sim, e nesses raros momentos em que eu via seu lindo sorriso, eu tinha vontade de chorar, todo mundo tinha, acho que ela também. Mais uma vez eu repito, ela tinha peso de luz. Nós nunca falamos sobre a morte e hoje eu me arrependo. Queria ter dito que também sofro. Queria ter dito que quase todo mundo sofre ao ter a coragem de admitir ser quem se é. Queria ter estado lá, queria ter impedido que ela se jogasse, queria ter a segurado em meus braços, mas a alma dela tinha peso de luz, a alma dela era capaz de voar e voou,  voou para longe de mim. Voou para longe no alto daquela ponte em uma tarde chuvosa de quarta feira. Ainda lembro dela quase todos os dias, ainda espero chegar em casa e  encontra-la mexendo nos meus livros, dizendo que eu não limpo o quarto. É engraçado como depois de um tempo para de doer, você não para de sentir, mas para de doer. Depois de um tempo, você lembra e sorri.  Eu não a culpo, nem me culpo. Talvez o mundo é que tenha grande culpa . Algumas almas nascem para serem destroçadas.