domingo, 30 de abril de 2017

Por que estamos, o tempo todo, com essa sensação de que deveríamos estar fazendo mais?



Hoje, enquanto conversava com uma pessoa que gosto muito, me deparei com um assunto que vinha me incomodando há bastante tempo. Por que estamos, o tempo todo, com essa sensação de que deveríamos estar fazendo mais? Você pode perguntar ao redor, não é apenas uma ou duas pessoas que estão com esse sentimento, mas sim uma grande parte do seu círculo de amigos\colegas. Estamos todos ansiosos, culpados e com a sensação de que deveríamos estar fazendo mais do que estamos. A questão é: por quê? Por que temos esse sentimento de que o outro consegue fazer muitas coisas, adquirir diversos conhecimentos, enquanto nós estamos aqui, andando pela vida, sem saber pelo menos um pouco sobre muita coisa?

Vivemos em meio à uma competição onde o melhor é aquele que consegue fazer mais coisas em menos tempo,  uma competição onde não existe um vencedor, porque ninguém é bom o suficiente para vencer. Bom o suficiente para vencer o quê? Não sei, só sei que eu deveria estar fazendo alguma coisa... Não importa se você tem sete matérias obrigatórias na faculdade, mil provas, trabalhos, textos e a cabeça cheia de problemas, você ainda se sente culpado toda vez que não consegue entender um conteúdo, toda  vez que não participa em sala, toda vez que um professor não sabe o seu nome, porque você deveria ter se esforçado mais, feito mais coisa, usado melhor o seu tempo, absorvido mais informação. No fim do dia, você sempre acha que deveria ter feito algo que não fez.

Estamos tão presos nessa lógica irreal e doentia de sucesso, melhor administração do tempo, que nem percebemos o quanto, às vezes, a única coisa que deveríamos estar fazendo é respirando fundo. Porque nem respirar a gente consegue mais, temos que marcar uma hora na yôga para isso. Porque os jornais valorizam a pessoa que estudou vinte e seis horas por dia para passar em medicina, não importa se isso é logicamente impossível, se ela conseguiu, por que você não consegue? Estamos achando “incrível” comportamentos que deveriam estar nos deixando preocupados. Estamos sacrificando a nós mesmos por uma patética e irreal chance de sermos vistos, de sermos importantes, de conseguirmos finalmente calar essa voz que grita constantemente que não somos bons o suficiente. Suficiente para quê? Não importa. Nunca importou.

Ignoramos nossos amigos, deixamos de ir em alguma festa legal, não conseguimos estar 100% presentes nas reuniões de família, nas relações românticas, ou naquele simples momento no parque, tudo porque, no fim, nossa felicidade e nossa saúde sempre perdem espaço na ordem de prioridades irreais de nossas vidas. Algo é sempre mais importante do que parar e entender que às vezes "não fazer nada" é tudo o que você precisa fazer naquele momento.

Então pare, respire fundo, guarde essa culpa imensa no bolso e olhe ao redor, mesmo que seja por apenas dois minutos, mesmo que você não tenha muito tempo. Olhe bem, porque estamos nos tornando pessoas de olheiras enormes e almas culpadas, segurando litros de café e caixas de remédios, enquanto nos perguntamos, constantemente, porque não fizemos mais.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Foi quando eu aceitei que o “homem da minha vida” era, na verdade, uma mulher.





Quando eu tinha quinze anos, eu beijei um garoto na escola e detestei. Eu lembro bem desse dia, todas as minhas amigas falavam sobre garotos, sobre beijar garotos e eu era aquela garota, encolhida na cadeira, apavorada porque não queria crescer. Eu lembro que todas as minhas amigas me achavam infantil, porque eu não queria usar saias e vestidos curtos, ou sair com os garotos. Eu queria ser amiga deles, claro, mas qualquer coisa além disso me deixava nervosa. Crescer era assustador, sempre é, mas foi um pouco mais assustador para mim.

Eu lembro que todas as minhas irmãs costumavam falar de como seria incrível conhecer o cara certo, como um dia eu conheceria o “homem da minha vida” é muito difícil fazê-las entender que isso nunca vai acontecer e que está tudo bem, porque está tudo bem, isso nunca foi um problema para mim, mas eu sei que é para elas. Eu lembro muito bem dessas nossas conversas, porque toda vez que esse assunto surgia, eu me encolhia um pouco mais, eu me fechava um pouco mais. Naquela época eu não entendia muito bem o porquê, eu apenas sentia como se nunca realmente houvesse um espaço para mim, para ser quem eu era, para quem eu sou.

Talvez por isso eu não tenha tanta intimidade com elas hoje em dia. Eu as amo, claro, elas me amam também, mas nós não temos muito o que conversar, nós criamos essa bolha insegura que pode estourar a qualquer momento e, por mais que que no fundo eu queria que ela estoure, eu também fico apavorada com o que pode acontecer. Uma rejeição explícita é muito pior que uma que a gente finge que não existe. As pessoas dizem que um “não” é melhor que a incerteza de um “talvez”, mas isso nem sempre é verdade. Às vezes um “talvez” é o que te faz continuar tentando.

Eu nunca consegui entrar em suas conversas e elas nunca conseguiram entender o porquê de eu estar tão irritada o tempo todo. Nem eu entendia, às vezes eu ainda não entendo. É um processo muito longo aceitar que você só pode ser aquilo que é. Eu ainda lembro toda as vezes em que elas se irritaram com as minhas roupas, reclamaram do meu silêncio ou me chamaram de esquisita por eu ter uma fascinação muito maior por aquela atriz da minha série favorita do que pelo menino que morava na minha rua. Todas elas esperavam que eu gostasse de um cara, mas eu nunca gostei e acho que elas simplesmente não souberam o que fazer, elas ainda não sabem, às vezes eu também não sei. Eu queria saber.

Alguns anos já passaram desde o constrangimento inicial, e nós estamos progredindo, não está nem perto do que deveria ser, mas talvez a gente chegue lá algum dia. Eu ainda engulo algumas piadas, sorrio quando algum parente me pergunta sobre “os namoradinhos”, torço para alguma delas me “defender” e às vezes, algumas raras vezes, acontece. É um alívio. Talvez isso seja algo que todos devam saber, fica melhor. Pode não ser o melhor que você espera, mas fica melhor. Nem que seja apenas você aceitando a si mesmo. Fica melhor, eu prometo. Você ainda vai esbarrar em grandes amigos, bons professores e pessoas que simplesmente vão aceitar você sem fazer nenhuma pergunta. Fica melhor. Porque desde aquela época, até agora, mesmo com todas as implicações que isso traz, o melhor momento que eu tive comigo mesma foi quando eu aceitei que o “homem da minha vida” era, na verdade, uma mulher.