terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O lado de cá e o lado de lá.

Ontem passeei pelo barro, subi algumas escadas, passei por algumas quebradas, fui visitar o lado denominado de lá. Já logo aviso que não sabia de nada, não subo escadas nem passo por quebradas, pois eu sou de cá. Os de lá e os de cá raramente se encontram em situações de convívio, passam batido, fingem ser apenas ruídos em uma multidão sem som. Há quem diga que os de lá, quando vêm para cá, e os de cá, quando vão para lá, são facilmente reconhecidos, são figuras marcadas que carregam nas costas o estigma de seu lugar. Os de lá aparecem muito do lado de cá, geralmente vêm trabalhar, já a gente de cá, vai raras vezes para lá, sempre para visitar ou “comprar”. Também dizem que a cor de lá é diferente da de cá, embora do lado de cá tenhamos as mesmas cores do lado de lá.  Do lado de cá chamamos de moreno, do lado de lá negro, preto, escuro. O lado de cá é elitizado, o lado de lá, pé rapado e vagabundo. Os de cá utilizam uma tal de “neve” que é comercializada no lado de lá, dizem que é ilegal, mas os de cá nunca são presos, enquanto os de lá sempre se dão mal. Os de cá apenas “consomem”, enquanto os de lá vendem a violência, os de lá sempre são os culpados e os  de cá sempre recebem clemência. Do lado de lá tem casinha de madeira com seis irmãos, do lado de cá tem mansão com dois que nunca estão. Do lado de lá tem baile, do lado de cá tem balada. Nessas horas os lados até se misturam um pouco, mas eles dizem que não é certo, pois já existe uma regra estipulada. Voltei para o lado de cá sem saber muito bem o “porque’ de toda essa diferença, os de lá não me deixavam chegar muito perto e os de cá não entendiam minha inquietação. Dizem que  os de lá, “não são o mesmo tipo de gente” que os de cá. Mas e a gente de cá, que tipo de gente é para ser diferente da gente do lado de  lá? 

Letícia Santos. 

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